La belle, belle...

La belle, belle...

Dois matutos: o pai e o filho

A estrada ia passar no meio da propriedade. Estavam lá todos os envolvidos, naquela tapera, ao redor de uma mesa comprida e rústica feita pelas mãos de Juvenal - o proprietário da terra. O agrimensor, o engenheiro, os operários, o secretário de transportes, Juvenal sentado à mesa e seu filho em pé ao seu lado. Juvenal tentava ser gentil oferecendo um café fraco e doce. O secretário, acostumado aos modos políticos e diplomáticos vinha trazer-lhe a notícia:

- Veja, meu caro, que estamos aqui para formalizar a desapropriação de um trecho de sua terra...

O pai olhava para o filho e exclamava:
- Cospariu, fio!!!

O filho, compadecido, respondia-lhe:
- Cospariu, pai!!!

O secretário continuava:
- Evidentemente vamos compensá-lo com algum valor...
Pai e filho continuavam solidários:
- Cospariu, fio!!!
- Cospariu, pai!!!
- Pode ser que não seja o equivalente ao preço do mercado, mas...
Dessa vez um pouco irritados:
- COSPARIU, FIO!!!
- COSPARIU, PAI!!!
- Mas, com certeza os senhores se beneficiarão dos progressos trazidos pela estrada...
Agora com olhar desconfiado:
- COSPARIU, FIO!!!
- COSPARIU, PAI!!!
- Precisaremos que os senhores assinem exatamente aqui, nesse contrato...
Nesse momento, um tanto assustado o pai olha o filho:
- COSPARIU, FIO!!!
- COSPARIU, PAI!!!
- Os senhores fiquem tranqüilos, o contrato prevê o comprometimento do estado a pagar-lhes o que for devido de acordo com a porção de terra que lhes for desapropriada...
Já sem esperança, um tanto resignado o pai diz meneando a cabeça afirmativamente:
- Cospariu, fio!
O filho, cordato, repete o mesmo gesto:
- Cospariu, pai!






Isso é de verdade!

Isso é de verdade!
Foto de Pepa D'Elia

Alfonse Mucha

Alfonse Mucha

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Costumamos nos definir pelas funções que desempenhamos... uma delas, no meu caso, é ser mãe dessas menininhas lindas e parte da família à qual dedico o "Álbum" aqui postado e ainda inacabado. Também sou conhecida como musicista, cozinheira, professora... e assim por diante, conforme, conforme! rsrsrsrsrsrsrsrs Espero que gostem da leitura.

Minha primogênita: Giulia

Minha primogênita: Giulia
Experiência de autonomia: nadar sozinha pela primeira vez!

Minha caçula (por enquanto!): Rafaela

Minha caçula (por enquanto!): Rafaela
Aconchego na mamãe... o papai flagrou!

O Príncipe!

O Príncipe!
João!!! Agora sim, o caçula! Era o caçula. Depois dele, mais dois.

domingo, 20 de abril de 2008

Risca de Giz

Hoje andava distraída pela avenida, distraída pelas vias da vida. Andava alegre com o vício e a virtude que ocuparam meu rosto.
Mas me atraía um desgosto: um paletó rasgado, de riscas de giz interrompidas, bem na minha frente, tentando atravessar a avenida pelos quinhentos metros adiante... eu nem podia tirar os olhos daquilo! Tanto pavor e tentativas só haveria de ser o prenúncio de uma desgraça - que, em verdade, não queria ver - que não podia deixar de olhar. Ainda mais com aquele paletó!
Se voltasse... não poderia: tinha que continuar naquela direção. Nos primeiros cem metros estava aflita. Ao ponto de pensar em oferecer ajuda. O semáforo fechou, pensei: Agora vai! Não foi. Já era o meio do quarteirão, nenhuma faixa de pedestre por perto. O semáforo abriu. Pronto! Já estragou a minha distração! Agora poderia esperar na faixa até o semáforo fechar outra vez. Não esperou. Aquelas riscas se embaralhavam no tecido roto, no andar hesitante. Não tinha ritmo, nem precisão de movimentos. Ia chacolhando os braços, as pernas, espantando pássaros, e atormentando os transeuntes. Alguns automóveis chegaram quase a ceder-lhe passagem. Desistiam. Talvez se aquele paletó... acho que tinham medo. Nos trezentos metros já começara a divagar sobre a origem e destino da criatura do paletó farfalhante. Passara da distração à preocupação. Desse ponto retornei às minhas virtudes e vícios. Tentava lembrar da alegria da caminhada. O rosto foi ficando mais relaxado, um leve sorriso retornou com a lembrança. Quinhentos metros: fecha o semáforo. Agora foi!!! Eu é que estou ficando velha...

terça-feira, 8 de abril de 2008

Aos estúpidos

Vai ver que um elogio lhe basta!
Vai ver que a batalha lhe apraz
Vai ver que o ódio alimenta
essas feridas pútridas que finge não ver

Logo se vê como crê na banalidade
no automóvel bem cotado
no fim de semana, no hedonismo,
no fim do dia sem conversa
na poltrona do adolescente aposentado
com aquele que não é o seu salário

Vai ver que se contenta com riqueza de moeda
que pensa que lhe comprará a saúde
a amizade, o amor... que nunca tivera...

Vai ver que só pensa mesmo em ganhar
e mais uma vez se contenta
e ostenta o ódio que aumenta
o saldo de ilusão de vitória
o saldo de ilusão de companhia
que jamais por si sustentaria
sem escravizar almas aqui e ali

Vai ver que não vai ver...
nem agora, nem nunca!
Vai ver que o arrivista não premedita
senão sob a crença banal de que domina
o que jamais teria...
e na ilusão mesma de domínio
perde-se no que enredou
asfixiado no ódio com que perseguiu.

sábado, 5 de abril de 2008

Conselho de anjo (janeiro/2007 – às mães que ficam longe dos filhos)

I

Corre menina! Corre!
Que não te socorre a brisa
Corre! Não socorre a vida
Que espera estanque, estática
Não socorre o mote
Que te espera o bote de serpente ferina
Corre! Corre menina!
Alcança adiante, defronte, na frente
Menina! Não te socorre um verso
Nem que estivesse vestida
E corresse…
Que nem correr socorre
Que nem distância percorre
E continua imóvel
Nem o infinitesimal de espaço de um toque
Nem o cabelo molhado nas costas
De um dia quente
Nem a caneca que aquece a mão
Num dia frio
Nenhum semblante contente que viu
Nem que tente!
Então não corra, menina!
Durma.


II

Durma sem pressa
Sem reza
Sem fresta de luz que desperte
Continue imóvel, inerte,
No sono que descansa
No descalço que conforta
No sonho que alcança
Sem censura, nem usura,
Dorme pura
Vê a cura
A porta
A sorte, no sono
E na morte
O descanso da alma.


III

Quando despertar, menina,
Não pense!
Não pense, menina, no que não sentir
Então sinta
Que pensar será inevitável
Sinta a alegria indispensável
Recomeçe o dia passado, hoje
Apenas agora
Não minta
Sem demora
Sinta.

Xingatório (ao bom e ao mau humor que todos temos - novembro/2007)

Ou maledicência
Tanto faz
Ou desacato
Incontinência
Ou coragem
Tanto faz...

Impropérios
Ou destempero
Desmerecimento ou desvantagem
Esclarecimento ou revolta
Ou revolto pensamento
Tanto faz, não importa

Tanto faz se em voz alta
Ou baixa
Ou muda
Ou morta
Tanto faz se aponta

É hora do xingatório:
Alguém há de ouvir!
Cortejo cômico do desespero!
Patético linguajar, fuleiro!
Impróprio, inverossímil, derradeiro!
E consumir seu significado deturpado:
E enlouquecer ao mesmo tempo
E recobrar a consciência

O xingatório se dissipa
Um ofendido trapaceia
Um vocábulo transverso que digere
Um pudibundo alegre versa
A moral e os bons costumes...
Alguém se desculpa
Alguém aceita, alguém se nega,
E continua, continua, continua...

Descoberta (ao meu primo Guilherme Ubinha)

Pela fresta de porta espia
Um gáudio de menino em alerta
Recria um palácio na fenda estreita
Amplia a casa, a coisa certa,

Quando de volta à pândega arrefece
Retorna à mansa fresta e reconhece
A módica virtude que desfruta
Dos grandes feitos de labuta

Ainda assim, vez por vez, descobre
Quanto há no sonho nobre,
E nobreza no sonho,
De tanta coisa bela e pobre
Daquilo que é medonho,
Quanto há de verdadeiro
Que veja na fenda da porta
Que abrisse mais para ver inteiro,
Desistisse por descobrir
Que a graça está na procura.

Retrato Antigo (à Cristina Ubinha)

Como é que tem sempre rosto de avó
As mulheres desses retratos?
Esses dentes bem compridos,
Esse olhar contundente... parecem fortes,
Fortalezas muito ricas;
Bem acompanhadas por um mito,
Rosto bem pintado, olhos no infinito.

Pensava que saíam do palco
De uma bela e romântica cena teatral
Talvez assim mesmo fosse
Nesses registros que congelavam
O momento de afeto que relembravam
Anos e anos como belos e doces
Ainda que houvesse altivez
Ou mesmo aparência severa
Um retrato sinônimo de escassez
De sorriso, sem cores de primavera
Afirmavam virtude sincera
E séria pose de honradez

Alegria Alegoria (à Ynaê Ubinha – novembro/2007)

Flutua em alcatifa
Tão repleta, castiça,
Uma idéia vaga em realidade fria
Um contentamento que a guia
Num deserto plácido
Que nenhuma rudeza revela,
Nenhum percalço tão ácido,
Seria o que a ofuscaria

Se houvesse muros por este
Deserto, houvesse campos verdes
Neste Oriente, ainda flutuaria
Entre os véus e cores vivas
Sobre o tapete de alegoria

Ainda figuraria mais castiça
Que a imagem da fada casta
Caso fosse o termo
de viver sem amargura.

Um flamboaiã no velório (ou Distração - à Paula Ubinha/outubro de 2007)

Rubro, curvilíneo, levantado no canto da estrada
Numa calçada que leva ao funéreo campo
Mais adiante deve haver brisa na campina, no vale de almas;
Ou deve haver noite com a demora
De todo modo estará lá, intacto, inviolado
Tronco pronunciado corrigindo a visão
E um monte de formas escuras no satélite redondo e alvo
Camuflado de copa, de sombra, bem no alto
Exigência às pálpebras cerradas desafiando a nitidez
Tanto faz se vai ou vem na estrada
Continua rubro, inviolado, simulando imobilidade
A quem passa e o vê inanimado
Quem sabe é mesmo silencioso, ou apenas obedece o vento...

Uma surpresa (à Fabiana Ubinha/setembro de 2007)

Se pensasse escuridão
Então era riso
Ou torrente de palavra no silêncio
E silêncio na multidão
Se pensasse em obviedade
Estava certo
Estava errado
Era verdade!
Era mais dia do que parecia
Atrás da obscuridade

Feliz Mundo Novo! (janeiro/2008 – à Carla Fiori)

Acordei e vi um outro
Outra coisa me apareceu
No mundo não havia mito
Nem Baco, nem Teseu,
Nem passado ou infinito
Era o mundo apenas
E eu.

Nada que julgasse havia existido
Nem miríades, nem audácia,
Nem pirâmide, nem falácia,
Nenhum canto conhecido,
Apenas o mundo e eu
Se era só o meu destino?
Já não sei porque nada havia
Nem tarde, nem noite, nem dia.

A fotografia na parede (janeiro/2008 – à Adriana Fiori)

Pensa que a humanidade
Está na grandeza
Está na estreiteza
Por toda a parte
Sabia, com tal certeza,
Sem alarde, que ela nasce
Nos nós mais aflitos
Nos sós circunscritos
Nos proscritos
Resistente
E reside
Na fé companheira
No nascimento
Existe!
Enquanto houver Homem inteiro
Com a falta, com a meta,
De qualquer jeito
Num asceta
Num ateu
No que prometeu
No que descumpriu
Até mesmo nesse retrato
Que se apagou, sumiu!

Parábola (janeiro/2008 – à Eulália Ferramola Ubinha)

Descreve um descortino
O desiderato caminho
Por onde se teria ido

Impia verdade ímpia (novembro/2007 – às famílias desfeitas, aos filhos que ficam)

Houvera no Tempo uma abscissa
- somente nele a mesma direção -
Que resultasse num terceiro,
Num outro destino que unisse pontos no imponderável,
No que jamais teria sentido não fosse o tempo em que ao mesmo tempo gerasse, daqui e de lá uma porção tão amável,
Uma necessidade de vida
A mesma que unia separasse
Para sempre as sinas
Convergentes na abscissa do tempo
- somente nele a mesma direção
e nenhum sentido...

Pintura (à Vera Lucia Ubinha)

Pintaria tudo translúcido
Camaleão em vitral
Numa abóbada de catedral, sem Deus,
Deus espera
No fundo do quintal
Na intimidade eterna
Enquanto terminaria o traçado colorido
Entre o sonho e a solidão do templo
E a entrada social
Entre o jornal, o cão e seu alarido,
Transmutar o vão em terno,
Em cor o dolorido.

Lente de lenimento (novembro/2007 – às mães que ficam longe dos filhos)

Não se trata de um requisitório
Ou de resguardo, quando não é sóbrio
O que seja hausto
Que desampare uma criança,
Da sorte e da esperança,
Ou de afeto já sublimado
Também não digo não haver mistério
Na iminência da distância branda
Que nunca se completa ou se realiza,
Numa espera que – tanta – esteriliza,
Mantendo o que dista em dissecação
Um pouco por dia a afeição, a saudade,
No espaço vazio pletora
De convívio imaginário
De preenchimento transitório,
Volúvel hábito coronário
A desmanchar os sonhos maternos
Ou restar os sonhos ternos
Num papel, em verso, num futuro próximo,
Desejo de um que seja próspero
Que seja justo, estreito laço,
Como devesse sempre ser,
Sempre nos braços
Que mitigassem o sofrimento
Como a temperança: colo da mãe e sua criança

Xingatório (ao bom humor que todos temos - novembro/2007)

Ou maledicência
Tanto faz
Ou desacato
Incontinência
Ou coragem
Tanto faz...

Impropérios
Ou destempero
Desmerecimento ou desvantagem
Esclarecimento ou revolta
Ou revolto pensamento
Tanto faz, não importa

Tanto faz se em voz alta
Ou baixa
Ou muda
Ou morta
Tanto faz se aponta

É hora do xingatório:
Alguém há de ouvir!
Cortejo cômico do desespero!
Patético linguajar, fuleiro!
Impróprio, inverossímil, derradeiro!
E consumir seu significado deturpado:
E enlouquecer ao mesmo tempo
E recobrar a consciência

O xingatório se dissipa
Um ofendido trapaceia
Um vocábulo transverso que digere
Um pudibundo alegre versa
A moral e os bons costumes...
Alguém se desculpa
Alguém aceita, alguém se nega,
E continua, continua, continua...

Sonho Pequeno (Dezembro/2007 – ao Jardel Almeida)

Ao deprecar sobre um altar
Um perdão a outrem
Esqueceu-se de que fora fustigado
E que inocularam em si aquele hábito,
Esquecera o que dera e a quem,
Esquera o que estava a rogar
Pedira que fosse alguém
Mas não era, jamais será!
Almejava, então, apenas ser
O que nunca se duvidará
Que vivesse muito para ver
Que morresse só depois do amanhecer
Quando o sono já fosse despertar

Considerações (janeiro/2008 – à Carmencita Ubinha)

Quem é você, que há tempos não vejo
Quem será que vi naquele tempo
Por olhos alheios, por ouvidos atentos
Quem seria agora no meu pensamento
Se há tempos não vejo, nem nunca vi
Com esses olhos que sobraram
Sobre essa história que desconheci
Sobre tudo que me contaram
Nada sei sobre si
Andei sonhando desde que nasci

Tive a mãe que desejei
Imaginada sobre aquele corpo
O sorriso é tudo que sei
De um destino torto?
Além da alegria
Coisa que sonhei
Coisa de mãe, fiquei sem
Mas deixou-me a minha tia.