Hoje andava distraída pela avenida, distraída pelas vias da vida. Andava alegre com o vício e a virtude que ocuparam meu rosto.
Mas me atraía um desgosto: um paletó rasgado, de riscas de giz interrompidas, bem na minha frente, tentando atravessar a avenida pelos quinhentos metros adiante... eu nem podia tirar os olhos daquilo! Tanto pavor e tentativas só haveria de ser o prenúncio de uma desgraça - que, em verdade, não queria ver - que não podia deixar de olhar. Ainda mais com aquele paletó!
Se voltasse... não poderia: tinha que continuar naquela direção. Nos primeiros cem metros estava aflita. Ao ponto de pensar em oferecer ajuda. O semáforo fechou, pensei: Agora vai! Não foi. Já era o meio do quarteirão, nenhuma faixa de pedestre por perto. O semáforo abriu. Pronto! Já estragou a minha distração! Agora poderia esperar na faixa até o semáforo fechar outra vez. Não esperou. Aquelas riscas se embaralhavam no tecido roto, no andar hesitante. Não tinha ritmo, nem precisão de movimentos. Ia chacolhando os braços, as pernas, espantando pássaros, e atormentando os transeuntes. Alguns automóveis chegaram quase a ceder-lhe passagem. Desistiam. Talvez se aquele paletó... acho que tinham medo. Nos trezentos metros já começara a divagar sobre a origem e destino da criatura do paletó farfalhante. Passara da distração à preocupação. Desse ponto retornei às minhas virtudes e vícios. Tentava lembrar da alegria da caminhada. O rosto foi ficando mais relaxado, um leve sorriso retornou com a lembrança. Quinhentos metros: fecha o semáforo. Agora foi!!! Eu é que estou ficando velha...
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